terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Um Homem Espartano

(ao meu amigo Luís, senhor de fortes convicções e acções extremas)
Ele apareceu teso, com passo rápido, ombros direitos e cabeça erguida. Autoritário, arrogante. Deteve-se cinco minutos. Olhou para ela. Provocou-a. Tentou arrancar-lhe o fígado com a perversão das palavras e dos jogos psicológicos dos indivíduos poderosos que não permitem a nunguém controlar-lhes as convicções. Assim exercem domínios silenciosos, sobre os inseguros e inautênticos com falta de coragem para assumir o quanto se perdem no burburinho entediante dos dias.

Em seguida foi-se embora. Ela sorriu quando ele virou as costas. Esteve perante um momento raro: um homem de costados de pedra que se esvai em fios de leite por dentro.

Voltou e ficou 30 minutos. Ela reparou no tom diminuido da voz, agora melodiosa. E viu-lhe o olhar curioso e vivo. Ele fez o jogo da sedução infantil, com sonhos derramados de forma utópica e pueril, acreditando na força de mudar os mundos individuais com a sua palavra e acção. Estava só à procura de justificações para o fascínio que lhe ficara pelo rasto daquela mulher frontal, irónica, de silêncio difícil e terna.


Quando lhe virou as costas, na altura de partir, o sorriso não se desfez.


Regressou noutro dia e quis ficar duas horas. Observou a mulher, testou-lhe os afectos com palavras doces e promessas de um mundo que ambos sabiam sonhar. Disse que voltaria, quando saiu.

Não regressou.

Mas deixou cartas de amor escritas. Na primeira falava do fascínio entre o homem e a mulher e na grande satisfação pessoal de ver as pessoas felizes por coisas que ele pudesse fazer ou dizer.

Na segunda afirmava que não queria perdê-la, sonhava-a sempre perto.

Na terceira disse que ia desaparecer por uns tempos.

Passados trinta e seis anos ela sonhou com o homem espartano. E a morte chegou.

Foi ele quem celebrou o velório onde, por vontade dela, leu as três cartas de amor que um dia escrevera.

Depois do enterro o homem chorou, durante três dias e duas noites. Quando saiu da diocese deixou apenas um bilhete: «Estou só. Por favor, não me procurem».